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Do Ford ao Facebook: as metamorfoses do capital

  • Foto do escritor: Lucas Costa
    Lucas Costa
  • 13 de out.
  • 5 min de leitura

Recentemente, apresentei um trabalho na faculdade voltado para uma análise de poder e geoeconomia mundial. Ao longo do estudo, percebi que as três grandes crises dos últimos cem anos não foram apenas rupturas econômicas, foram momentos de troca de poder. Mudanças silenciosas, mas profundas, que redesenharam quem comanda o mundo e sob quais regras. Hoje vamos discutir as "Metamorfoses do Capital", boa leitura!


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Em 1929, com a Grande Depressão, assistimos à queda das indústrias e ao surgimento de um novo império: o das finanças. Os grandes industriais, as “Big Business”, cederam espaço para os bancos e fundos, que se tornaram os novos senhores do capital. Em 2008, com a crise do Subprime, muitos acreditaram que seria o fim do capitalismo. O colapso dos bancos americanos parecia anunciar o fechamento definitivo desse ciclo. Mas o Estado, ironicamente, aquele que o neoliberalismo dizia ser o vilão, foi chamado para salvá-los. E o que parecia ser o fim, foi apenas um adiamento.


Dessa vez, no entanto, algo diferente aconteceu. O poder das finanças não desapareceu, mas começou a dividir espaço com uma nova força: as Big Techs. Google, Amazon, Meta, Apple e Microsoft passaram a ditar não apenas os rumos da economia, mas também da política, da cultura e até da subjetividade humana. É nesse ponto que entra Yanis Varoufakis, economista e ex-ministro das Finanças da Grécia, autor do provocativo livro Tecno-feudalismo: o que matou o capitalismo. Para ele, o que vivemos hoje não é mais capitalismo, mas algo pós-capitalista, uma metamorfose tão sutil que passou despercebida.


Para entender como chegamos aqui, é preciso recuar. Após a Primeira Guerra Mundial, o mundo viveu uma era de expansão industrial sem precedentes. Empresas como Ford e General Electric simbolizavam o auge do capitalismo produtivo, onde o lucro surgia da produção em massa e do trabalho humano. A euforia era tanta que os investidores colocavam todas as suas economias em ações, acreditando que o crescimento seria infinito. Mas, com a recuperação da Europa e a saturação do mercado americano, o excesso de produção se tornou um veneno. A superprodução derrubou os preços e mergulhou o mundo na crise de 1929.


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Foi nesse cenário que Franklin D. Roosevelt lançou o New Deal, inspirado nas ideias de John Maynard Keynes. O Estado passou a atuar diretamente na economia, investindo, regulando e garantindo empregos. Durante a Segunda Guerra Mundial, o modelo keynesiano mostrou sua força: a demanda por produção e tecnologia movimentou as engrenagens do capitalismo como nunca antes. Mas o pós-guerra trouxe um novo desafio: a estagflação, a combinação de estagnação econômica com inflação alta, algo até então impensável. Com as crises do petróleo na década de 1970, surge um novo grito de mudança. É o nascimento do neoliberalismo, impulsionado por Margaret Thatcher e Ronald Reagan.


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O neoliberalismo prometia devolver o protagonismo ao mercado, reduzir o papel do Estado e criar um ambiente de liberdade econômica. A derrocada da União Soviética em 1991 parecia consolidar essa visão como a vencedora definitiva. O capitalismo havia triunfado. O “fim da história”, como dizia Francis Fukuyama. Porém, esse triunfo começou a mostrar rachaduras com as bolhas da nova economia, como a bolha das pontocom, e atingiu seu ponto crítico em 2008.


A crise do Subprime foi, em muitos sentidos, o momento em que o capitalismo olhou para o abismo. O sistema financeiro, desregulado e movido pela especulação, ruiu sobre sua própria arrogância. A Grande Aposta, filme de Adam McKay, retrata esse colapso com maestria, mostrando a ganância e o desprezo das instituições financeiras pelo risco humano por trás dos números. O que se viu depois foi uma ironia histórica: o Estado socorrendo o mercado que dizia não precisar dele. Trilhões foram injetados para salvar bancos, fundos e seguradoras. Mas o dinheiro não foi para o setor produtivo, foi para os mesmos mecanismos de especulação que haviam causado o colapso.


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Foi nesse ambiente de liquidez artificial e juros baixos que as Big Techs floresceram. Empresas que, em poucos anos, tornaram-se as maiores do mundo, não apenas pelo valor de mercado, mas pela capacidade de controlar o comportamento humano. A pandemia da COVID-19 apenas acelerou esse processo. Em isolamento, fomos obrigados a viver dentro das plataformas. As redes sociais viraram a praça pública, os aplicativos, o meio de trabalho, e os algoritmos, a nova lei da oferta e da demanda.


Yanis Varoufakis argumenta que, a partir desse ponto, o capitalismo morreu. Não porque falhou, mas porque se transformou em algo que nega seus próprios princípios. Segundo ele, o capitalismo se sustentava sobre dois pilares: o mercado e o lucro. Mas hoje, as Big Techs não vivem de lucro, vivem de renda. E o mercado, tal como Adam Smith imaginava, deixou de ser um espaço de concorrência.


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No feudalismo, havia os senhores feudais, donos das terras, e os vassalos, que trabalhavam nelas em troca de proteção. No mundo digital, os senhores feudais são as plataformas. Elas não produzem nada: apenas controlam o acesso. As empresas que anunciam, vendem e criam conteúdo são os novos vassalos. O YouTube não produz vídeos, mas ganha com a exibição. O Google não cria sites, mas cobra por visibilidade. A Amazon não fabrica produtos, mas recebe uma taxa por cada venda. O lucro produtivo, comprar barato e vender caro, deu lugar à renda extraída do controle das plataformas.


Nesse novo sistema, as relações de trabalho também se dissolvem. Motoristas de aplicativo, entregadores e pequenos comerciantes online se tornaram “empreendedores de si mesmos”, sem férias, sem previdência, sem jornada fixa. A retórica da liberdade esconde uma nova forma de servidão.

Varoufakis chama isso de “tecno-feudalismo”, uma ordem em que a tecnologia recria, com brilho digital, a velha relação de domínio e dependência. Não há mais “mão invisível”, há algoritmos visíveis e controlados.


Pessoalmente, não acredito que tenhamos retornado a um feudalismo literal. Mas é inegável que o capitalismo, como sistema baseado na produção e na concorrência, já não é o mesmo. O que temos é uma simbiose entre poder financeiro, político e tecnológico, uma máquina que gira sobre si mesma, produzindo riqueza sem necessariamente produzir valor.



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Yanis Varoufakis, aliás, ajudou a roteirizar o filme Jogo de Poder, que também traduz esse novo mundo em linguagem cinematográfica. A obra retrata como a lógica das corporações e da especulação contamina até a política, transformando a democracia em um espetáculo de mercado.


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Em A Grande Aposta, vemos o retrato do velho capitalismo, o da ganância dos bancos e da cegueira coletiva. Em Jogo de Poder, o novo, um sistema onde os códigos substituíram as fábricas e os dados substituíram o dinheiro.


O capitalismo pode não ter tido um velório oficial, mas seu corpo já foi enterrado em silêncio, substituído por um sistema onde não compramos mais produtos, e sim acesso. Onde não trabalhamos mais por salário, mas por relevância. E onde o poder, agora, está concentrado nas mãos de quem controla as plataformas sobre as quais todos nós, como bons vassalos digitais, continuamos a produzir. Deixo como encerramento uma frase que acredito ser a mais coerente do capitalismo e com o que vimos nesse texto:


Entre algoritmos e ilusões, continuamos acreditando que somos livres. Talvez essa seja sua maior vitória.

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